sexta-feira, 1 de julho de 2016

Reverberações Pedagógicas


Em minhas trajetórias pessoais de investigação de alternativas para lidar no espaço escolar com a relação com esse inerente embricamento entre religiosidade, entretenimento e, consequentemente, cultura, tenho me deparado com diversas contradições (pessoais, inclusive). Meu maior questionamento se deve à questão do Estado ser laico ao mesmo tempo em que precisamos (e devemos) abordar conhecimentos referentes à história e cultura afroameríndia, história e cultura essas que não se fazem separadas da religiosidade ao mesmo tempo que não podem ser apreendidas pelas vias comumente utilizadas nas escolas de lidar com o conhecimento, sob o risco de promover mais marginalização e silenciamento.

Primeiramente, é importante ressaltar que este tipo de trabalho se faz pelo reconhecimento da diversidade e pelo respeito às diferenças. É preciso identificar, dar espaço e condições para que diferentes vozes se façam ouvidas, o que requer também que o professor se reconheça enquanto parte deste processo, não sendo (e não precisando ser) ele o detentor de  todos os conhecimentos válidos. Em segundo lugar, seria interessante olhar a cultura para além dos elementos cuja obviedade salta aos olhos, elementos esses que tendem a nos aproximar de visões clássicas e estanques do que chamamos de folclore — comidas, roupas, lendas, danças "típicas", desconectadas de seu contexto, são exemplos comumente abordados no espaço escolar quando nos aproximamos das culturas populares.

Sob estas perspectivas, das inúmeras alternativas que venho experimentando, há duas ideias que têm sido importantes para mim: a ideia de ampliação do horizonte cultural e o trabalho com algumas estruturas que identifiquei como recorrentes nas práticas culturais das quais tenho me aproximado.

A ampliação do horizonte cultural se refere principalmente em propor o contato com práticas culturais com as quais dificilmente temos contato, o que pede a revisão de posturas estéticas e de visão de mundo. Pede, inclusive, que sejam identificados na própria escola os sujeitos com mais propriedade do que o próprio professor para tratar destes assuntos, sujeitos esses que podem ser tanto estudantes quanto outros profissionais, vizinhos ou familiares.

Em se tratando do que chamei de "trabalho com estruturas", considero mais clara para mim até o momento a estratégia que faço de aproximação com o conceito de sagrado, que resolve em parte a questão da laicidade e do respeito às diferenças, mas que ainda corre o risco de diminuir a compreensão das tensões de marginalização e exclusão sociais que são importantes neste tipo de discussão. Vindo de um grupo de danças brasileiras, eu trago a prática da dança como estratégia de construção de conhecimento e utilizo um exercício que era comum na época em que fazia parte do grupo: o fincar do mastro. O fincar do mastro envolve um trabalho de flexão súbita dos joelhos, mantendo a verticalidade do tronco, para então, pelo empurrar do chão com os pés, estender os joelhos novamente. A proposta é buscar a consciência do peso do quadril ao mesmo tempo que desenvolve uma maior conexão com o chão pela percepção da oposição dos vetores que mantém a postura ereta. Este exercício busca incorporar o símbolo do mastro votivo na corporeidade, associando elementos específicos deste artefato que, de forma resumida, são os seguintes: oposição/ conexão entre céu e terra, ao mesmo tempo em que se simboliza o elemento sagrado na bandeira. Nos festejos juninos, em geral há um santo católico no alto desta bandeira, representando o elemento sagrado festejado naquele dia em particular. Na minha releitura do exercício, eu proponho que se coloquem nesta bandeira elementos que tenham uma sacralidade particular para cada participante da proposta, procurando discutir de forma indireta o entendimento de que há uma diversidade de relações possíveis com uma mesma estrutura de interação, algo como conhecer no próprio corpo a prática do outro a partir de uma empatia que se estabelece por meio de uma ótica que não é nem a sua, nem a do outro, mas de uma "encruzilhada ocular" (Oliveira, 2007). A proposta é

permitir um maior desprendimento para se chegar ao outro, para tentar vê-lo, não com os próprios olhos, nem com os olhos dele, mas a partir de uma encruzilhada ocular, que constrói um outro fluxo ótico, parte da vivência do eu e do desejo de mergulhar na existência do outro, num processo dinâmico, complexo e vivo (Oliveira, op. cit., 222).

OLIVEIRA, E. J. de. Um olhar sobre o fazer artístico do outro. In: BIÃO, Armindo (Org.). Artes do Corpo e do Espetáculo: questões de etnocenologia. Salvador: P&A Editora, 2007.

LABIRINTO

elenco de O labirinto, apresentaçao no encerramento do ano de 1917 no curso de teatro da UFU