segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Loucura e Lucidez

Arthur Bispo do Rosário
Uma vida labiríntica

“Um dia eu simplesmente apareci”



Seu prontuário, desde 1938, está praticamente em branco, pois se recusava a falar com os médicos. Em uma das folhas, o analista anotou que, ao justificar seu silêncio, o artista se explicou: “Eu sou Deus, não falo com doente.”



“REGISTROS DE MINHA PASSAGEM PELA TERRA”























“O criador não está preocupado em vender”
Cama de Romeu e Julieta 



segunda-feira, 23 de outubro de 2017

“pequeno espanador de tristezas [a derradeira confissão?]”

Ondjaki

há qualquer coisa de lágrima numa celebração minha.
se soubesse aceitar a beleza das lágrimas 
não tinha que [me] explicar a origem delas 
e podia sorrir 
com as bochechas molhadas 
mais vezes sem as rugas.

às vezes uma celebração minha é uma timidez 
– um dia tenho que conseguir abandonar isso e elevar-me a lesma, gambozino, helibélula. 

acreditar no fio que o grilo ata 
às estrelas lá longe 
no universo vincado de negrume; 
emprestar a minha pele numa jangada quase a afundar; 
afastar nuvens que dançam nas peles do mar; 
soprar uma madrugada pra ela voltar a mim 
[ainda gostava de ter uma crise de asma por excesso de nuvens nos pulmões respiratórios].

sem ser só nas palavras vividas em poesia, 
pra mim a morte devia ser um voo dançado por um papagaio-pipa 
– eu quero ser a aragem desse voar. 

se morrer um dia vou celebrar a palavra morte com incensos e música cantada por andorinhas 
– a morte anda por aí à solta 
e a vida afinal parece é uma máscara...

«a palavra vida é maior que a palavra morte», 
disse-me o meu sobrinho tchiene hoje 
que ainda faltam dezasseis dias pra ele nascer.

quando ele chegar ao mundo 
vou mostrar-lhe uma garça gaga que encontrei num poema 
e me passou a gaguez dela. 

eu passei a gaguez toda pra uma tarde 
e foi bonito ver a tarde esticar-se 
porque não sabia bem como pronunciar o definitivo pôr-do-sol. 

a noite ficou extenuada 
– à espera de chegar.

há qualquer coisa de adélia na palavra fé. 
talvez porque ela seja uma mulher de palavras pesadas com tanta leveza 
e saiba cavalgar medos selvagens. 

há na obra dela manchas leves de infância 
– essa varicela foi muito manuseada por luuandino 
[o que viajava com intimidade pelas ruas de antigamente, passando por tetembuatubia, kinaxixi, makulusu, olhos das crianças, pássaros e peixes]. 

certa noite, no lubango, 
vi o joão vêncio pendurado numa estrela; 
ao pé da casa onde sonhei nesse serão 
havia uma represa que era doadora de ruídos bons 
– apadrinhados por sapos gordos. 

espreitei pela janela fechada 
e quase cometi o erro de olhar um gambozino nos olhos. 

fechei os olhos e abri a janela, 
limitei-me a olhar assim as estrelas brilhantes numa ternura interna 
que eu lembro pouco de frequentar 
[no lubango a ternura brota em mim sem cerimónias].

às vezes uma chuva molhada 
é uma coisa boa para escorregar momentos em direcção a mim.

quando uma chuva molhada cai sobre o mundo redondo, 
as coisas da vida e a vida das coisas encontram-se num quintal vasto. 

foi sob uma chuva molhada em canduras 
que encontrei as barbas do meu pai num poema e o sorriso da minha mãe noutro. 

foi nas entrelinhas dum poema ensopado que encontrei, 
várias vezes, 
a autorização interna pra falar a palavra amor 
[vou tentar não apagar isto: eu tenho certo receio da palavra amor, espero só que ela não me tenha receios também; seria triste].

foi com as mãos sujas de restos de amor que estiquei uma madrugada.
quando digo a palavra madrugada também sinto um esticão no coração. 

se agora abuso muito das madrugadas 
é porque cada uma delas tem restos de amor que eu sempre vou perdendo.

qualquer dia acumulo esses restos todos 
e faço uma construção de amor
 [talvez chame uma mulher pra se encostar ao outro lado dessa construção]. 

a palavra amor pode ser um labirinto com mais de catorze lados avessos. 

depois de esticar uma madrugada encosto a madrugada na minha pele e espero.
 a pele gosta de ser esculpida de novo muitas vezes na vida.

se puser um «v» na palavra esticar, 
poderei estivar uma madrugada. 
aí elevo-me a estivador de madrugadas 
e posso pensar num caixote com luar, 
um caixote com geada, 
caixotes pesados de estrelas, 
caixotes de nuvens carregadas de pingos, 
um caixote hermético com lágrimas, 
uma caixinha de costura com restos concretos de amor.

as palavras são muito bonitas também porque têm significados cicatrizados nelas
 – falo a palavra kwanza e sou invadido pelas belezas de um rio 
e o sol todo a bater-lhe nas peles da água escura que ele tem.

 o rio transporta o barro e os peixes e nunca ninguém se queixou de cócegas. 
há qualquer coisa de jangada na palavra rio. 
liberdade seria abraçar um jacaré sem lhe apetecer provar-me. 

eu queria fazer festinhas na carcaça antiga de um jacaré 
mas se ele me fizer festinhas magoa-me. 
vou olhar o jacaré de longe e o rio de perto 
– provar as minhas mãos nele. a pele do rio tem mais espelho que a minha e que a do jacaré. 

o céu e o sol gostam de verter reflexos nas peles paradas do rio kwanza 
e eu gosto de saber isso com os meus olhos atónitos de humidade. 
ali onde o mar beija o rio a espuma celebra o evento com pássaros que perseguem peixes.
 assim a poesia seja salobra ou salgada.

seria bonito ver os mangais depositarem raízes num poema meu 
– era a minha maior alegria fluvial.

há qualquer coisa de sapiência na palavra tristeza. 
e algumas tristezas não são de espanar 
– um dia posso descobrir que elas me fazem falta 
e ter que ir buscá-las na lixeira da catin ton.

vou encher-me de silêncios e imitar as pedras. 
adormecer entre as pedras pode ser que me contagie delas. 
depois de conseguir ser pedra vou exercitar o sorriso dessa pedra que eu for. 
com esse sorriso vou iniciar uma construção...

uma construção pode bem ser o lado avesso de uma certa tristezura.

ONDJAKI. Materiais para Confecção de um  Espanador de Tristezas. Alfragide, Portugal: Editorial Caminho, 2009.

Imagens - Alessandro Cardoso

domingo, 22 de outubro de 2017

Voador ¿ Parasita ~

" [...] preparar uma personagem é o oposto de construir - é demolir, remover tijolo por tijolo os entraves dos músculos, ideias e inivições do Ator que se interpõem entre ele e o papel, até que um dia, numa lufada de vento, o personagem penetra por todos os seus poros."
Peter Brook (1970)








Imagens



Dédalo e Ícaro



Minos de creta



BOSCH

Litotomia

Jardim das delicias



A nave Dos Loucos

O vagabundo


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Para próxima aula - dia 23 de outubro

Ler o texto - A desconstrução do corpo no teatro e a crítica ao “adestramento corporal”,
de Andrea Rangel Ribeiro. Escrever dois parágrafos a partir da leitura do texto e das práticas que fizemos em aulas.

Levar para a aula do dia 23 de outubro uma extensão de seu corpo/movimento.
Pode ser um objeto, uma peça de figurino, uma máscara corporal ou facial, algum tipo de caracterização, enfim, uma intervenção em sua performance.

Além das imagens solicitadas duas postagens abaixo, leia o convite.

Bom feriado - Boa leitura



Universo acadêmico: oportunidade na Biblioteca

A Biblioteca da UFU vai oferecer no período de 23 a 27 de outubro 
algumas atividades relacionadas com a editoração acadêmica,
sugiro que vocês se organizem e façam uma ou todas as oficinas baixo:

  • Oficina de Normalização de Trabalhos Acadêmicos -Trabalhos Acadêmicos
  • Oficina de Normalização de Trabalhos Acadêmicos - Citações
  • Oficina de formatação de trabalhos acadêmicos - módulo básico

Compartilhamento de Imagens

Convido todes a compartilhar imagens como parte do caminho para desentranhar as poesias do corpo.




LABIRINTO

elenco de O labirinto, apresentaçao no encerramento do ano de 1917 no curso de teatro da UFU