A
leitura do texto “Cultura, Culturas, Culturas populares e a Educação”
enriqueceu minha percepção e definição de cultura, ativando memórias e
recordações referentes à minha infância e descoberta do mundo como lugar de
troca, diálogo e relações.
Minhas
recordações da cultura popular na infância são bastante ricas, pois venho de
uma cidade pequena do interior de São Paulo, que se chama inclusive
Divinolândia (ou seja, terra do Divino). Desta cidade o que ficou de mais forte
na minha memória foram às festas de Folia de Reis e Folia do Divino que
aconteciam nas ruas, com a molecada correndo e se pelando de medo dos palhaços
foliões – os bastiões. Estas festas não tinham muita ligação com a escola que
eu estudava que apesar de ser modesta, não valorizava muito a cultura popular,
pelo menos não diretamente. Havia neste contexto mais divulgação da parada de
sete de setembro e coisas assim, digamos “mais patrióticas”. Da primeira
infância tenho pouquíssimas recordações. Mas me lembro de como a passagem de
uma folia de reis ou do divino alterava o cotidiano das pessoas da rua por onde
passavam – sons de viola e violões; os bastiões baguncentos, serelepes e ameaçadores;
as longas máscaras assustadoras e coloridas que utilizavam; cantoria de músicas
louvando o nascimento do menino Jesus; vozes graves e fininhas fazendo aquele
canto doído, profundo e bonito.
Outra
coisa que me lembro da cultura da cidade que vivi, também relacionada à fé e
religiosidade do povo, eram as santas que em determinada época, não me lembro
qual, ficavam sendo levadas de casa em casa. Um grupo de devotos pegava uma
santa da igreja para visitar algumas casas que tivessem solicitado, para
abençoar os seus moradores e trazer conforto espiritual. Iam até lá rezavam um
terço, às vezes tomavam licores diversos oferecidos pelos donos da casa e
deixavam a santa lá durante um determinado tempo, passado esse período buscavam
a santa. Ao lado da santa sempre havia cestas para os donativos, os quais eram
dados pelos participantes do terço.
Parece
que a cultura popular que vivenciei nesta época da minha vida, estava sempre
relacionada à religiosidade, pois tínhamos também na cidade o hábito de
enfeitar as ruas para procissão de Corpus Christi. Deixando a rua de frente da
igreja matriz toda embelezada para receber o povo e seus costumes. Sendo que,
encontrei este mesmo costume na cidade de Poços de Caldas, para onde me mudei
com nove anos de idade. Lá encontrei diversas outras manifestações populares
como a festa de São Benedito, dentro da qual havia barrinhas de quermesse,
grupos de congado e caiapó. Esta festa é muito tradicional e acontece em Maio, do
dia primeiro até o dia treze, e no santuário da igreja é montado um parque de
diversões, centenas de barraquinhas de comilanças e prendas e muita gente. No
decorrer destes dias acontece à festa de congado que passeia pelas ruas da
cidade com seus batuques, roupas coloridas e muita riqueza musical. Já os caiapós
sempre me soaram assustadores com suas saias de capim, espadas de madeira e
suas danças/lutas vigorosas e peculiares. Novamente não me lembro de uma
ligação forte da escola com a cultura popular, com exceção das festas juninas
que todo ano aconteciam no pátio da escola que eu estudava. Com direito a tudo
o que fosse possível como: prendas, quadrilha, barraquinhas diversas, comes e
bebes, muita dança, músicas típicas e regionais.
Dando
um imenso salto de tempo e espaço, cheguemos nós a Universidade Federal de
Uberlândia, ambiente acadêmico e naturalmente de cultura tradicionalista. Mesmo
assim, consegui ao longo do curso de teatro vivenciar vários momentos de
diálogo entre a cultura popular e a cultura tradicional, sendo que as
principais foram às oficinas que fiz com convidados/artistas vindos de fora da
cidade. Como a oficina que colocou para dialogar durante uma semana, a
linguagem de teatro italiana Commedia dell’ Arte e a dança brasileira Cavalo
Marinho. Fomos iniciados nestas duas vertentes, aprendendo o básico sobre o
universo de cada uma dessas culturas distintas. E no final criamos um coquetel
mixando as duas, fazendo personagens de Commedia dell’Arte dançarem passos de
cavalo marinho. Tudo isso por meio dos nossos corpos em ação e diálogo, pois
não daria tempo de pensar muito em uma oficina de apenas uma semana, então
naturalmente trouxemos a tona nossos seres brincantes – vivenciando
intensamente esta experiência. Várias outras oficinas que participei convidaram
outras danças regionais a habitar o ambiente acadêmico como: o maracatu, o frevo,
e o jongo.
Para
encerrar pensando a cultura como ponto de encontro e lugar de convivência das
pessoas de um povo, me recordo das lindas praças das cidades onde morei. Para
as crianças e os jovens o coreto e as praças das cidades de interior eram lugares
de intenso convívio entre todos os tipos de pessoas – local de novidade, de brincadeira,
de pipoca e paquera, de banco para sentar e gastar o tempo com prosas, estórias
e planos mirabolantes para o futuro.