Artigo
O registro do Congado como instrumento de preservação do patrimônio mineiro: novas possibilidades
Aline Pinheiro Brettas
Maria Guiomar da Cunha Frota
Resumo: Este artigo tem como tema o
patrimônio cultural, e busca analisar o
registro de uma manifestação originária da cultura africana – os Congados –
como instrumento de preservação de parte do patrimônio imaterial, no Brasil e, principalmente, em Minas Gerais.
Para tanto, recorremos principalmente a fontes teóricas, que tratam sobre
patrimônio imaterial, congados, sociedades sem escrita e com escrita, análise
de performance. São apresentados alguns dados empíricos fornecidos pelo
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
(IEPHA/MG). A análise de performance é apontada como crucial para a compreensão
das formas de transmissão da memória coletiva dos grupos culturais envolvidos,
por captar e buscar compreender símbolos - refletidos pelos rituais, pela
musicalidade, pela dança e pela devoção – emitidos durante a manifestação dos
congados. Por esse motivo, tal metodologia de análise pode colaborar bastante
para a elaboração do registro dessas práticas afro-brasileiras.
Palavras-chave:
Congado. Memória. Patrimônio imaterial. Performance. Registro.
Abstract: This article is about the
cultural heritage, and seeks to examine the record of an outbreak originating
in African culture - the Congos - as a means of preserving part of intangible
heritage in Brazil, and especially in Minas Gerais. Therefore, we had mainly theoretical
sources, that deal with intangible heritage, congados, societies without
writing and writing, performance analysis. We present some empirical data
provided by the State Institute of Historical and Artistic Heritage of Minas
Gerais (IEPHA/MG). The performance analysis is seen as crucial for
understanding the ways of transmission of collective memory of the cultural
groups involved, to capture and try to understand symbols - reflected by the
rituals, the musicianship, dance and devotion - issued during the manifestation
of congos. Therefore, this analysis method can work well to prepare the record
of these practices afro-Brazilian.
Keywords:
Congo. Memory. Intangible heritage. Performance. Record.
1 Introdução
Pretendemos, neste artigo, fazer
uma análise sobre o registro de uma manifestação originária da cultura
africana: os congados. Considerando-se que tais festejos estão incluídos, no
Brasil, em uma categoria de registro do patrimônio imaterial – as celebrações –
o estudo aqui apresentado foi inserido nas discussões sobre a preservação do
patrimônio cultural.
Atualmente, sabemos que patrimônio é tudo o que criamos,
valorizamos e queremos preservar. É considerado como o conjunto dos monumentos
e das obras de arte, das imagens dos santos, dos utensílios, das ferramentas,
dos engenhos. Por outro lado, inclui também as festas, músicas e danças, os
folguedos e as comidas e os saberes. Tudo, enfim, que produzimos com as mãos,
com as ideias e com os sentimentos. Entretanto, este conceito foi construído ao
longo de vários séculos.
Até o século XVIII, o termo que vigorava era o de monumento,
como aquele que trabalhava e mobilizava a memória coletiva, por meio da emoção
e afetividade, para preservar a identidade de uma comunidade étnica, religiosa,
tribal, familiar, ou religiosa. Entretanto, essa concepção universal deu lugar
ao conceito de monumento histórico - datado e ocidental - vinculado à arte e
arquitetura. Com a Revolução Francesa, irrompeu-se o conceito de patrimônio
nacional, para preservar os imóveis e obras de artes – transformados em
propriedade do Estado - pertencentes anteriormente ao clero e a nobreza. Ao
longo do século seguinte, os países europeus organizaram entidades
governamentais e privadas voltadas para a seleção, salvaguarda e conservação
dos seus patrimônios nacionais, até então compostos essencialmente de objetos
de arte e edificações relacionados ao conceito de monumento histórico. Situação
que se modificaria posteriormente.
2 O patrimônio imaterial: conceito e preservação
No mundo oriental, o aspecto
considerado mais relevante para a preservação do patrimônio cultural é o
conhecimento necessário para a produção dos bens materiais (móveis e imóveis).
Essa concepção sugere a ideia da intangibilidade, visto que busca a preservação
dos conhecimentos e das técnicas que possibilitam a reprodução dos objetos. É
valorizada a continuidade de processos criativos, como a utilização de técnicas
de produções tradicionais, artesanais, conhecimentos e habilidades transmitidos
de geração em geração. Dessa forma, o “saber fazer” adquire maior importância
do que os objetos resultantes desse trabalho. Assim, o patrimônio assume um
valor simbólico específico, englobando tradições mais diversas.
As discussões sobre patrimônio, inclusive a salvaguarda,
foram bastante ampliadas nos últimos trinta anos do século passado. Em 1972,
foi realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura - UNESCO, em Paris, a “Convenção Sobre a Proteção do Patrimônio Mundial
Cultural e Natural”, com o objetivo de discutir e deliberar sobre a do evento
era a salvaguarda e a conservação dos bens tangíveis mundiais.
No entanto, a pressão de países como o Japão, e outros do
Oriente e da África, levou a uma revisão dos critérios da UNESCO para inscrição
de bens na lista do patrimônio mundial. O que
importa para aquelas nações é assegurar a continuidade de um processo de
reprodução, preservando os modos de fazer e o respeito a valores como rituais
religiosos e técnicas construtivas.
O mundo ocidental também começou a atentar para essas
questões quando, em 1972, países orientais reivindicaram a realização de
estudos para a proposição, em nível internacional, de um instrumento de
proteção às manifestações populares de valor cultural. Assim, em 1989, em
Paris, ocorreu a 25ª Sessão da Conferência Geral, quando a cultura tradicional
e popular tornou-se uma nova preocupação, o que gerou a aprovação do texto
“Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Popular e Tradicional”: “a cultura
tradicional e popular forma parte do patrimônio universal da humanidade e é um
meio de aproximação entre os povos e grupos sociais existentes e de afirmação
de identidade cultural”. A UNESCO reconhece a soberania dos povos. Na
recomendação ela dá instruções aos países membros, não impõe um novo tipo de
patrimônio. Desde então, um novo elemento do patrimônio cultural passou a fazer
parte dos objetivos de preservação das entidades governamentais e
organizacionais: o bem cultural imaterial.
A UNESCO define como patrimônio cultural imaterial as
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os
instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais associados - que as
comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Ele é transmitido de uma geração para
outra e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história.
No Brasil, já na década de 1970, Aloísio Magalhães - com as experiências de registros de manifestações culturais, realizadas no
Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e na Fundação Nacional
Pró-Memória – influenciou a ampliação da ideia de patrimônio cultural
brasileiro. Entretanto, foi somente com a promulgação da Constituição de 1988
que tal ideia foi tratada com expressivo avanço, quando foi apresentada uma
nova definição para ela:
os bens de
natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I- as formas de
expressão;
II- - os modos
de criar, fazer e viver;
III- - as
criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV-
- as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V- - os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (CAVALCANTI; FONSECA,
2008, p. 14).
A proteção ao patrimônio imaterial recebeu maior atenção
quando o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) passou
a atuar com mais ênfase neste segmento, basicamente a partir do ano 2000. O
Decreto n° 3.551, de 04 de agosto daquele ano, criou o Instituto do Registro,
como um recurso de reconhecimento e valorização desse patrimônio. O registro
corresponde à identificação e ao reconhecimento do bem intangível - por meio da
documentação produzida por meios escritos e audiovisuais - e da percepção do
passado e presente de tais manifestações. Os bens selecionados para registro
são inscritos em livros assim denominados:
- Livro de
registro dos saberes (registro de conhecimentos e modos de fazer);
- Livro das
celebrações (festas, rituais e folguedos);
- Livro
das formas de expressão (manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas
e lúdicas);
- Livro
dos lugares (espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais
coletivas).
Considerando-se a dinâmica dessas manifestações e de suas
transformações, o instituto objetiva refazer o registro, no mínimo, a cada dez
anos.
Em Minas Gerais, por sua vez, o Instituto Estadual de
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), seguindo as
orientações da UNESCO e do IPHAN, introduziu o Inventário de Proteção ao Acervo
Cultural (IPAC), cuja metodologia objetiva reconhecer o fenômeno cultural em
toda a sua amplitude. O inventário analisa as manifestações consideradas
excepcionais, a arquitetura, o patrimônio natural e arqueológico e os bens
imateriais.
No entanto, devido ao princípio da municipalização trazido
pela Constituição de 1988,
os trabalhos de preservação têm sido assumidos pelas prefeituras dos municípios
mineiros e os projetos, pelos profissionais de mercado, como arquitetos e
historiadores. Tais ações, na maioria das vezes, contam com os recursos do ICMS
Cultural.
Os livros de registros dos bens culturais de natureza
imaterial, que constituem parte do patrimônio cultural mineiro, apresentam as
mesmas categorias dos livros do IPHAN e foram criados
pelo Decreto n° 42.505, de 15 de abril de 2002. Mas, foi somente em 2009 que a
Lei Estadual nº 18.030, de
12 de janeiro, determinou o encaminhamento de recursos financeiros do ICMS
Cultural aos bens imateriais, cujos registros devem ser aprovados em nível
municipal; assim, os municípios incentivam e promovem o desenvolvimento de
trabalhos de preservação do patrimônio cultural, inclusive o imaterial, para
receber este apoio.
Passamos então a abordar a manifestação cultural que é o
foco deste estudo e é
considerada um bem intangível no patrimônio cultural
brasileiro e mineiro: o Congado.
3 As celebrações: o Congado
Como vimos anteriormente, as
celebrações constituem uma categoria de bens imateriais a serem registrados
pelo IPHAN e pelo IEPHA e, dentre elas, destaca-se a manifestação do Congado.
Devemos acentuar que os ritos e celebrações nos apresentam um rico campo de
investigação e conhecimento sobre uma determinada cultura, ao transmitirem e
instituírem saberes estéticos, filosóficos, religiosos, dentre outros, além de
procedimentos e técnicas moldados por uma determinada estrutura simbólica e
discursiva.
No caso das celebrações afro-brasileiras, elas representam meios
de sobrevivência dos vestígios da memória africana, durante séculos de sua
repressão social e cultural nas colônias americanas. Através das performances
rituais, podem ser vislumbrados alguns dos processos de criação de suplementos
que buscam cobrir as faltas, vazios e rupturas das culturas e dos sujeitos que
se reinventaram. Devemos lembrar que a conservação de vestígios de uma época
passada, segundo Pomian (2000), pode ocorrer por meio de relatos transmitidos
de narrador a narrador e pela coleção de imagens e relíquias antigas; mas
também pela capacidade de se repetir comportamentos, reincorporando impressões
ou sentimentos já vividos.
Neste contexto, uma das formas mais expressivas dessa
paisagem cultural é o Congado – um sistema religioso que se institui entre os
sistemas religiosos cristãos e africanos, de origem banto, através do qual a
devoção a certos santos católicos (Nossa Senhora do Rosário, São Benedito,
Santa Ifigênia e Nossa Senhora das Mercês) é exercida por meio de performances
rituais de estilo africano. “Surge assim, o sincretismo religioso, como forma
de manter os cultos de suas divindades agora apresentadas por nomes de santos
portugueses, camuflando a permanência dos rituais religiosos de origem” (GÓIS,
2008, p.50). Uma descrição da celebração será apresentada a seguir.
3.1 A
estrutura
O Congado é uma manifestação que
acontece tradicionalmente entre os meses de agosto e outubro (data que varia de
um lugar para
outro). Esta celebração acontece por meio de uma estrutura simbólica e
litúrgica complexa, composta por partes distintas: o terno, o reinado e o
congado.
O “terno”, sendo também denominado “guarda” ou “corte”, é
representado por grupos rituais distintos: Moçambiques, Conguês, Catopés,
Caboclinhos e Marujos, dentre outros. Cada terno distingue-se pelo estilo
particular da sua indumentária, coreografia, ritmo do batuque. Apresenta uma
rígida hierarquia: a autoridade central é o capitão regente, alguém conhecedor
dos saberes mágico-religiosos e capaz de administrar e manter a disciplina do
grupo, acumulando as funções de administrador, mestre e sacerdote; os
auxiliares e substitutos imediatos – suplente ou contra mestre, também
designados 2º e 3º capitães, além do Fiscal, sendo este responsável pelo
controle da ordem e da disciplina. A base do terno, por sua vez, é constituída
pelos “dançantes”, também denominados “soldados” ou “brincadores”; atuam como
músicos (caixeiros, sanfoneiros, violonistas), cantadores e coreógrafos.
O reinado é considerado o rito principal da manifestação.
Define-se pelo conjunto das personagens “coroadas”, que nos dias de festa
recebem homenagens dos grupos rituais e são conduzidas em cortejo formado pelos
“ternos”, de casa para a igreja e vice-versa. Destacam-se as figuras do Rei e
Rainha congos, que representam simbolicamente o elo com a ancestralidade
africana; há também os chamados Rei e Rainha Perpétuos. Os membros que
representam esses personagens em geral são escolhidos anualmente, e se
apresentam como representantes das coroas associadas aos variados santos da
devoção congadeira, conforme é enfatizado a seguir:
Durante as
celebrações, os reis e as rainhas são os líderes máximos do cerimonial, numa
estrutura de poder embasada em funções hierárquicas rígidas, na qual o Rei
Congo e a Rainha Conga são as majestades mais importantes e portam as coroas
mais veneradas. Com exceção dos reis festeiros, que oferecem os banquetes, e
que são substituídos a cada ano, os demais coroados são vitalícios e, em geral,
pertencem a linhagens tradicionais do próprio Reino. Os reis representam Nossa
Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora das Mercês; os
reis congos, no entanto, simbolizam também as nações negras africanas e essa
ascendência é traduzida pelo papel ímpar que desempenham nos rituais litúrgicos
e pelo poder com o qual são investidos... Essa recriação dos vestígios e
reminiscências de uma ancestral organização social remete-nos ao papel e função
do poder real nas sociedades africanas transplantadas para as Américas, nas
quais os reis, em sua suprema autoridade, representavam os elos maiores de
ligação e de mediação entre a comunidade, os ancestrais e as divindades
(MARTINS, 2002, p.78-79).
Assim, os reis e rainhas são considerados autoridades
respeitadas, a quem os “ternos” prestam homenagens e reverenciam com cortejos,
danças, cânticos e toques de tambores; tudo isso faz parte de compromissos
rituais e sagrados com os santos de devoção.
O Congado designa a reunião de todos os ternos – Moçambique,
Congo, Catopés, Marujos, Cabloquinhos, entre outras denominações – que através
do bailado típico, do som dos tambores e dos cânticos representam a
manifestação. A autoridade maior é denominada “Capitão-mor”, “Coordenador” ou
“General”, responsável pela articulação e controle da organização dos ternos,
reunido durante as festas. Este agente desempenha o papel do mediador, entre os
ternos e as estruturas administrativas e formais que representam o Congado:
irmandades, associações ou federações de congados.
Enfim, são encontradas as várias categorias de figurantes e
agentes que promovem a festa: os primeiros são os componentes dos grupos
rituais (dançantes e capitães), e os segundos, aqueles que investem serviços e
bens materiais ou financeiros. Estes últimos classificados em duas categorias:
“agentes do ritual” (capitania-geral do Congado ou coordenadores) e “agentes da
festa” (eclesiásticos, representantes do poder público, políticos e demais
pessoas que doam recursos materiais e/ou financeiros para realização do evento,
ou usam sua influência e prestígio pessoal para promoção do mesmo).
3.2
Ritual e símbolos
Para compreendermos adequadamente
as expressões religiosas de matriz africana, é necessário compreendermos o modo
peculiar de como elas lidam com o sagrado, que pode ser assim definido:
O Sagrado,
nessas expressões, ou é uma energia que se revela na natureza das coisas ou é
uma energia que se desvela na força dos ancestrais; uma “energia revelada” que
o devoto cultua numa relação de domínio (conhecimento) e submissão, num
processo gradativo de crescimento espiritual, de modo que, quanto mais domínio
tem desse Sagrado, mais se submete aos seus desígnios, na liberdade responsável
de sua realização pessoal e comunitária (ancestral) (GOIS, 2008, p. 94).
Assim, os estandartes das guardas, os mastros, o cruzeiro
nos adros das capelas e igrejas do Rosário, o rosário, as coroas (que
simbolizam o Reinado), o mastro e a bandeira (demarcando o espaço sagrado da
festa) e os paramentos, dentre outros, são símbolos sagrados no código ritual
litúrgico do Congado. Devemos ressaltar que, para se compreender a
representação de tais objetos, é preciso ter clareza sobre a noção de símbolo.
Geertz (1978) explica que esta categoria abrange qualquer objeto, ato,
acontecimento, qualidade ou relação que serve como vínculo a uma concepção –
sendo que, neste caso, relaciona-se à trama social e simbólica que caracteriza
o ritual, atribuindo-lhe um caráter religioso. Todos os atos rituais emergem de
uma narrativa de origem, cujo resumo conta que:
Na época da
escravidão uma imagem de Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar. Os escravos
viram a santa nas águas, com uma coroa cujo brilho ofuscava o sol. Eles
chamaram o dono da fazenda e lhe pediram que os deixasse retirar a senhora das
águas. O fazendeiro não permitiu, mas lhe ordenou que construíssem uma capela
para ela e a enfeitassem muito. Depois de construída a capela, o Sinhô reuniu
seus pares brancos, retiraram a imagem do mar e a colocaram em um altar. No dia
seguinte, a capela estava vazia e a santa boiava de novo nas águas. Após várias
tentativas frustradas de manter a divindade na capela, o branco permitiu que os
escravos tentassem resgatá-la. Os primeiros escravos que se dirigiram ao mar
eram um grupo de Congo. Eles se enfeitaram de cores vistosas e, com suas danças
ligeiras, tentaram cativar a santa. Ela achou seus cânticos e danças muito
bonitos, ergueu-se das águas, mas não os acompanhou. Os escravos mais velhos,
então, muito pobres, foram às matas, cortaram madeira, fizeram tambores com os
troncos e os recobriram com folhas de inhame. Formaram um
grupo de Candombes e entraram nas águas. Com seu ritmo sincopado, surdo, com
sua dança telúrica e cânticos de timbres africanos cativaram a santa que se
sentou em um de seus tambores e os acompanhou até a capela, onde todos os
negros cantaram e dançaram para celebrá-la (MARTINS, 2002, p. 75).
Diante dessa lenda, durante a
realização do Congado, há basicamente nas dramatizações e performances três
elementos que insistem na rede de enunciação e na construção de seu enunciado,
de acordo com Martins (2002): a descrição de uma situação de repressão
vivenciada pelo escravo; a reversão simbólica dessa situação com a retirada da
santa das águas, sendo o canto e dança regidos pelos tambores; a instituição de
uma hierarquia e de um outro poder, o africano, fundados pelo arcabouço mítico
e místico.
Verificamos então que a musicalidade também desempenha uma
função importante:
Os rituais
se cumprem em meio à música, cuja força emana dos sons dos instrumentos
dinamizando a palavra cantada e os gestos do corpo, sendo o cantar, o tocar e o
dançar um ato único de oração. A música traduz, assim, aspectos da cosmovisão
de seus participantes, ao mesmo tempo que constitui um meio no qual
significados são gerados e transformados. Essa importância ritual da música
revela a porção africana dessa síntese afro-brasileira, a partir do próprio
caráter sagrado dos instrumentos, sobretudo caixas e tambores, considerados
corpos intermediários no canal de acesso do homem ao divino. Este caráter se
estende à música, sobretudo à linguagem rítmica, determinando uma concepção
musical particular dos congadeiros e uma atitude cerimoniosa, de respeito e
responsabilidade, em torno da experiência musical (LUCAS, 1991, p.1).
Percebemos que a celebração do Congado é uma forma de se
reverenciar a situação ocorrida naquela narrativa, para preservar a memória de
uma circunstância considerada gloriosa para os negros. Isso é explicado quando
o escravo retira a santa das águas, e mostra uma inversão de poder entre
brancos e negros; o que é reforçado pela linguagem dos tambores, que ao
conduzir os cantos e as danças, “... prenuncia uma subversão da ordem social,
das hierarquias escravistas e dos saberes hegemônicos” (MARTINS, 2002, p.
80).
A cerimônia do Congado também nos apresenta um processo de
substituição, na produção de objetos e adereços litúrgicos e a ressignificação
do ambiente geográfico e simbólico (MARTINS, 2002); o que é explicitado quando
os escravos produzem seus tambores com troncos, folhas e cipós, e utilizam
contas-de-lágrimas e outras matériasprimas disponíveis na natureza americana; e
nos revela traços da cultura africana.
O sincretismo religioso nos é fortemente revelado, quando o
congadeiro canta e dança a santa católica e as divindades africanas, “as nanãs
das águas africanas, Zâmbi, o supremo Deus banto, os antepassados e toda a
sofisticada gnosis africana,
resultado de uma filosofia telúrica que reconhece na natureza uma certa medida
do humano...” (MARTINS, 2002, p. 82).
Assim, podemos perceber que o Congado, em sua totalidade,
consiste em um sistema ritual e simbólico bastante complexo, pois envolve ritos
variados, danças, cânticos, toques de tambores, coroação de reis e outros
ritos, que representam símbolos carregados de significados e valores para os
seus participantes.
3.3
Contribuição da identidade afrodescendente para a memória brasileira
A história de constituição dos
congados – reprimidos até meados do século XX – apresenta uma estratégia de
resistência cultural e social - que reforçou a revolta dos escravos - a
configuração dos quilombos e de outras organizações negras contra o sistema escravocrata.
Esta manifestação apresenta-se como uma modalidade do
catolicismo popular; entretanto, caracterizada por uma re-interpretação do
catolicismo oficial, realizada pelos negros, tendo em perspectiva a
sobrevivência de suas formas de expressão religiosa. A manifestação adquiriu
certa autonomia em relação à instituição católica, definindo-se por sua
vinculação a uma modalidade de fé, e não a uma instituição.
Percebemos que a fábula que deu origem ao Congado apresenta
uma passagem, de uma situação de aflição,
sofrimento e aprisionamento, para uma nova ordem social, política, artística e
filosófica, que subverte a relação dominador/dominado. A memória deste
conhecimento é instituída na e pela performance ritual dos congados, por meio
de técnicas e procedimentos ligados ao corpo. A concepção filosófica e africana
inclui as divindades, a natureza cósmica, a fauna, a flora, elementos físicos,
mortos e vivos, o que constitui a “visão negro-africana do mundo” (MARTINS,
2002).
Através do mito de origem, os membros falam das relações
raciais no espaço onde vivem, fazendo sua crítica, expressando o seu desejo em
viverem em uma sociedade sem tanta discriminação e exclusão social. Nesse
sentido, os santos de devoção - Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa
Efigênia e Nossa Senhora das Mercês - representam símbolos dominantes da
diversidade do processo de construção da identidade negra no congado.
É claro que
tais elementos foram, durante muito tempo, vistos de forma pejorativa pela
Igreja Católica, pois a herança cultural-religiosa gestada no período colonial
persiste ainda no preconceito, desconhecimento e não-reconhecimento das
tradições religiosas de matriz africana. Deste modo, o Congado buscou se firmar
através da articulação de crenças e valores religiosos diversos
(catolicismo/religião afro-brasileira) e, também, das diferenças entre negros e
brancos, para tornar possível a afirmação da identidade afrodescendente por
meio de uma experiência concreta, de convivência e socialização neste meio religiosocultural.
Enfim, diante do que foi discorrido, concluímos que essa
manifestação não revela somente traços da cultura negra, mas parte da cultura
brasileira. O Congado é realizado em vários pontos do Brasil miscigenado, e
revela valores e aspectos simbólicos característicos das comunidades que o
realizam, bem como informações históricas a respeito da formação e evolução da
religiosidade e dos aspectos culturais e geosimbólicos, em várias regiões do
país. Assim, é crucial que ele seja registrado e preservado, ação essa que deve
ser realizada por instituições ligadas ao Poder Público e representantes da
sociedade civil. O que discutiremos a seguir.
4 O
registro do Congado: contradições e novas possibilidades
Nos âmbito federal e estadual,
ainda não foram concluídos registros de congados (pelo IPHAN e IEPHA,
respectivamente). Entretanto, tal prática está sendo realizada em nível
municipal, por meio das ações ligadas ao ICMS cultural, cuja ação já fora aqui
apresentada (no tópico sobre patrimônio cultural).
No ano de 2009, foram elaborados
os primeiros registros de congados em sete municípios mineiros (Carvalhópolis,
Formiga, Itaguara, Itapecerica, Senhora de Oliveira, Betim, Uberlândia),
encaminhados ao IEPHA em janeiro de 2010, e que atualmente estão em análise,
aguardando a sua aprovação.
Em geral, as festas dos santos de devoção dos negros também apresentam os
ternos de congadas, e algumas foram registradas também: a Festa do Rosário
(Alvorada de Minas, Brás Pires, Candeias, Conceição do Mato Dentro, Felício dos
Santos, Monte Alegre de Minas, Sabinópolis, Araçaí, Turvolândia); a Festa de
Nossa Senhora da Aparecida, na cidade de Campo do Meio; e a Festa de São
Benedito, em Poço Fundo. Ao total, portanto, registraram-se 18 festas
congadeiras.
Entretanto, já podemos fazer
algumas reflexões a respeito. Como podemos perceber, o Congado envolve vários
ritos, símbolos e performances – transmitidos por meio oral e corporal – e
estão sendo registrados através de recursos escritos e audiovisuais pelo Estado.
Conforme indica Castriota (2009, p. 221), “é importante perceber também que ao
mesmo tempo em que este instrumento dá legitimidade e promoção ao bem como
sendo integrante do patrimônio cultural do Brasil, atribui ao Governo uma
responsabilidade com sua proteção”. Mediante o exame da literatura e do exame
inicial do registro realizado até este momento pelo IEPHA(ICMS), levantamos
dois questionamentos cruciais e
interligados:
-
quais são as possibilidades de representação da
dinâmica da celebração em um documento arquivístico?
-
O documento de registro contribui para a
preservação do Congado, mas por ser uma ação externa e oficial, pode alterar a
sua evolução, interferir na própria manifestação ao institucionalizá-la?
Para apontar possibilidades iniciais de resposta a estas
questões, optamos por fazer algumas reflexões apontando as divergências das
sociedades sem escrita e das sociedades com escrita. Não podemos esquecer que o
festejo tem forte influência africana, baseada na oralidade. A escrita não fez parte
de sua gênese e evolução. A linguagem é manifestada em ações; e as práticas,
que traduzem cosmologias e crenças enraizadas, sempre se modificam ao longo do
tempo. Assim, a memória não é transmitida “palavra por palavra”; mas é passada
de uma geração para outra por meio da fala, do canto, do rito, da dança, da
indumentária e de diferenciados movimentos, que permanecem e se alteram.
Na prática,
esta arte da memória é uma arte da linguagem: ensina a conservar as narrativas
e permite, pois, a um indivíduo tornar-se o depositário das recordações
daqueles a quem nunca conheceu porque morreram muito antes do seu nascimento, e
por sua vez transmitir estas recordações aos seus descendentes. Assim se forma
a tradição oral que, durante milênios, constituiu o principal conteúdo da
memória coletiva e transgeracional (POMIAN, 2000, p.509).
Nas sociedades orais, são atribuídas à memória mais
liberdade e criatividade, e apresentam uma forma peculiar de se lidar com ela:
Nas
sociedades sem escrita, a memória coletiva parece ordenar-se em torno de três
grandes interesses: a idade coletiva do grupo, que se funda em certos mitos,
mais precisamente nos mitos de origem; o prestígio das famílias dominantes, que
se exprime pelas genealogias; e o saber técnico, que se transmite por fórmulas
práticas fortemente ligadas à magia religiosa (LE GOFF, 1990, p.427).
Devemos
lembrar também que o Congado tem como origem um mito – o da santa encontrada na
água. O mito de origem, segundo Le Goff (1990), em geral é o primeiro domínio
no qual se fundamenta a memória coletiva dos povos sem escrita.
O registro arquivístico, por sua vez, de cunho oficial, tem
origem na cultura escrita e letrada; e o processo de registrar a linguagem
(falada e expressa em movimentos corporais) é direcionado por regras
conscientemente planejadas e inter-relacionadas. Sendo assim, é interessante
apresentarmos algumas considerações:
O
distanciamento que a escrita realiza desenvolve um novo tipo de exatidão na verbalização,
tirando-a do contexto existencialmente rico, mas caótico, de muitas das
enunciações orais. As apresentações orais podem ser impressionantes em sua
grandiloquência e sua sabedoria comunal, quer sejam longas, como na narrativa
formal, quer sejam breves e apotegmáticas, como nos provérbios. Todavia, a
sabedoria tem a ver com um contexto social total e relativamente infrangível. A
linguagem e o pensamento tratados oralmente não são conhecidos por sua exatidão
analítica (ONG, 1998, p.20).
O aparecimento da escrita gerou uma forte transformação da
memória coletiva, criando suportes especialmente dedicados à escrita; esta
desenvolveu códigos em uma linguagem diferente dos códigos orais. Naqueles
suportes, a informação armazenada permanece inalterada através do tempo e do
espaço, fornecendo ao homem um novo processo de memorização e registro. Pomian
(2000) enfatiza que a tradição oral é contínua e flexível, já que ela se mantém
por uma cadeia contínua de intermediários; os documentos escritos, por sua vez,
possuem a duração das coisas.
A palavra originalmente oral foi reconstituída em um espaço
visual e definitivo, o que é claramente percebido nas listas, índices e
dicionários – instrumentos criados pelas novas sociedades com escrita. Estes
documentos, por sua vez, foram concebidos para acomodar os seres, os objetos e
os saberes, em um sistema completo, com o intuito de atender os critérios
científicos ou burocráticos de um campo disciplinar ou de uma instituição
governamentais... “verbos como ‘acomodar’, ‘agrupar’, ‘catalogar’,
‘classificar’, ‘dispor’, ‘dividir, ‘distribuir’, ‘enumerar’, ‘etiquetar’,
‘ordenar’ etc. nunca deixarão de ser imperativos para nossa necessidade de
fixar as ordens que nos permitem sobreviver ao caos da multiplicidade e
diversidade” (MACIEL, 2009, p.16).
Um sistema
de classificação, para cumprir o seu objetivo, cria categorias, que por sua
natureza são excludentes, seletivas e hierárquicas. Pressupõe a escolha de uma
ordenação possível, que em determinados casos acontecem por aproximação.
Entretanto, tanto a natureza quanto a cultura são muito diversas para se
ajustar em princípios rígidos de categorização. Um dos instrumentos elaborados
pela sociedade escrita, que lança mão desse sistema, é o inventário, que inclui
tanto os nomes quanto as coisas, delineando um levantamento de itens que
integram um conjunto ou um acervo.
Le Goff (1990) também aponta que a evolução da memória,
ligada ao aparecimento e à difusão da escrita, colaborou para o desenvolvimento
urbano, já que as estruturas das cidades não seriam fixáveis na memória oral e
corporal. A memória real também foi reforçada, com a criação de
instituições-memória: arquivos, bibliotecas, museus. Podemos então arriscar que
a memória coletiva, nessas sociedades letradas, foi institucionalizada.
Ao inserir o campo das políticas públicas de patrimônio
nessas discussões, podemos dizer que o inventário – criado por instituições
governamentais - é um instrumento que tem sido sistematicamente utilizado para
a identificação dos bens culturais de interesse de preservação, com o objetivo
de propiciar a sua proteção e estudo. Entretanto, segundo Castriota (2009),
este documento funciona como uma catalogação de bens culturais notáveis, ainda
que a noção de patrimônio tenha se ampliado. Sendo assim, no inventário consta
uma relação de “nomes e coisas” associados ao patrimônio cultural.
De qualquer modo, ele não garante o tombamento (no caso dos
bens tangíveis) e nem o registro (para os bens intangíveis); tais ações são
asseguradas por meio da elaboração de dossiês de tombamento e de registro,
respectivamente. O registro do patrimônio imaterial envolve um profundo
trabalho de campo, que através de pesquisa, entrevistas e técnicas de história
oral, colhe dados gerais, históricos (do município e do bem), descrições
detalhadas, fichas de IPAC (dos bens associados) identificação de problemas e
definição das medidas de salvaguarda, fichas de inventário, fotografias e
filmes.
No caso das congadas, são apresentadas informações sobre o roteiro, as danças,
as vestimentas, os cânticos, os santos homenageados, o envolvimento do público.
Porém, diante do que foi apontado
- divergências entre cultura oral e a cultura escrita -, podemos afirmar que o
registro é o meio mais adequado de se preservar as festas de Congado? Há várias
maneiras de se preservar e transmitir a memória, que vão dos “arquivos” aos
“corpos”, sendo assim explicado:
A memória do
“arquivo” mantém um núcleo material – registros, documentos, resíduos
arqueológicos, ossos – que resistem à mudança. O arquivo preserva o que Freud
denominou “traço permanente da memória”, o pedaço de papel inscrito para
aqueles que desconfiam de suas memórias e querem “suplementar e garantir seu
trabalho por meio de uma notação escrita”. O que se modifica com o tempo é o
seu valor, relevância, sentido, como é interpretado e mesmo corporificado...
O
repertório, por outro lado, preserva a memória do corpo – performances, gestos,
oratura, movimentos, dança, canto...ou seja, todos os atos que normalmente são
concebidos como conhecimento efêmero, não-
reproduzível...no
repertório a coisa nunca permanece a mesma... (TAYLOR, 2002, p.16-17).
Tendo em vista essa análise, a memória corporal e a
performance executadas não podem ser totalmente captadas e transmitidas para um
documento arquivístico, ainda que seja por meio de filmagens. Mas isso não
significa que elas – que se manifestam em ações ritualizadas e formalizadas –
desapareçam. Verificamos que acontecimentos, pensamentos e lembranças são
também transmitidos e preservados através de diferenciados atos e movimentos
corporais, e não apenas de escritos literários e documentos oficiais.
O corpo,
nessas tradições, não é, portanto, apenas a extensão ilustrativa do
conhecimento dramaticamente representado e simbolicamente reapresentado por
convenções e paradigmas seculares. Ele é, sim, local de um saber em contínuo
movimento de recriação, remissão e transformações perenes do corpus cultural...Os sujeitos e suas formas artísticas que daí
emergem são tecidos de memória, escrevem história.
O corpo em
performance restaura, expressa e, simultaneamente, produz esse conhecimento,
grafado na memória do gesto. Performar, neste sentido, significa inscrever,
grafar, repetir transcriando, revisando, o que representa uma forma de
conhecimento potencialmente alternativa e contestatória (MARTINS, 2002, p. 89).
As técnicas de preservação, transmissão e decodificação
desses materiais são certamente diferentes, assim como se diferem as
possibilidades de acessá-las. Entretanto, esta ação se faz crucial,
considerando que se essas tradições desaparecerem, os saberes envolvidos desaparecerão consigo. Mas quais
seriam essas técnicas?
Uma delas poderia ser a análise de performance, que pode nos
auxiliar na identificação e análise dos saberes expressos durante aqueles
festejos. As performances afirmam identidades, curvam o tempo, remodelam e
adornam os corpos, contam histórias. Assim:
A
performance é uma forma de preservação e transmissão da memória, especialmente
em comunidades ou setores sociais que careceram ou não utilizam a escrita; ela
possibilitou, desde os tempos primitivos, o registro e a permanência daquilo que
se sabe, como indivíduo e como grupo, sem ter que recorrer a caracteres
gráficos, esgrimindo o artifício epistemológico da necessidade da transcrição
das experiências em documentos...Por esses motivos, se justifica estudar as
ações performáticas quando nos interessamos por nossas tradições, cultura e
arte: é porque tudo o que somos e o que sabemos nos remete sempre a um mais
além do sacralizado pela escrita e, mais que isso, nos impulsiona a superar os
limites do que a língua pode articular por si mesma (SCHECHNER, 2003, p.37).
De acordo com Schechner, o processo chave de todo o tipo de
performance é o comportamento restaurado, ou seja, recombinação de
comportamentos previamente exercidos, e inclui uma vasta gama de ações,
marcadas, emolduradas ou acentuadas. Por ser assim, esse comportamento pode ser
aprimorado, guardado e resgatado; e depois, transmutado em outro, e
transformado, uma vez que “o comportamento restaurado é simbólico e reflexivo.
Seus significados têm que ser decodificados por aqueles que possuem
conhecimento para tanto” (SCHECHNER, 2003, p.35). E o que são as celebrações,
senão uma combinação de ritos performáticos e comportamentos restaurados?
A
performance ritual é, pois, um ato de inscrição, uma grafia...o corpo é, por
excelência, o local da memória, o corpo em performance, o corpo que é
performance. Como tal esse corpo/corpus não apenas
repete um hábito, mas também institui, interpreta e revisa o ato encenado....o
conteúdo imbrica-se na forma, a memória grafa-se no corpo, que a registra,
transmite e modifica atualmente (MARTINS, 2002, p.88)
Assim, a
análise da performance pode nos auxiliar a decifrar a ação dos praticantes dos
congados – sem apagar qualquer traço - e aprimorar formas de registro e
transmissão que permitam aos leitores (ou espectadores) conhecer a celebração e
sensibilizar-se com a sua história.
5
Considerações finais
O Congado, sem dúvida, é um bem
que compõe o patrimônio cultural brasileiro e mineiro. Também é inegável
acentuar que o registro desta celebração é uma fonte de informação valiosa, que
além de nos mostrar a respeito desta manifestação afro-brasileira, nos
apresenta também o contexto histórico de sua criação, os aspectos culturais e
religiosos que condicionaram sua evolução, e de como ela influencia o cotidiano
dos participantes – que são inseridos em uma identidade que lhes confere –
enquanto indivíduos e coletividade - a sua trajetória, a sua memória, e sua
forma de inserção na contemporaneidade.
Esperamos também ter mostrado como a análise
de performance pode nos ajudar a apreender a informação decorrente das práticas
culturais - constantemente reproduzidas no Congado - que abarcam interesses de
diversos grupos envolvidos e nos apresentam múltiplos significados. Estes, por
sua vez, podem variar dependendo de vários condicionantes, como o contexto
social, a localização geográfica, a relação entre os participantes e destes com
o público, etc.
Congado de Nossa Senhora do Rosário
Gabriela (Filme)
Gabriela
é um filme
brasileiro de 1983,
do gênero romance,
dirigido por Bruno
Barreto e baseado no livro Gabriela,
Cravo e Canela, de Jorge
Amado.
Sinopse
O cenário principal é a Bahia.
Em 1925, uma
retirante chamada Gabriela (Sônia Braga) chega a Ilhéus,
fugindo de uma das maiores secas da história do Nordeste.
Com sua beleza e sensualidade, ela conquista a todos, especialmente
Nacib, o proprietário do bar mais popular da cidade. Gabriela vai
trabalhar para Nacib e os dois iniciam um relacionamento que fica tão
intenso que eles acabam por se casar. Porém, tudo muda quando
Gabriela o trai com o maior conquistador da cidade.
Paralelamente, um "coronel" vai ser
julgado por ter matado sua mulher com o amante. Os outros "coronéis"
acham que ele tem de ser inocentado, pois houve um forte motivo para
o crime, mas os tempos mudaram e determinados conceitos do passado
acabam por cair.
Elenco
Sônia
Braga .... Gabriela da Silva
Marcello
Mastroianni .... Nacib al Saad
Antônio
Cantafora .... Tonico Bastos
Paulo
Goulart .... João Fulgêncio
Ricardo
Petraglia .... Josué
Lutero
Luís .... Manuel das Onças
Tânia
Boscoli .... Glória
Nicole
Puzzi .... Malvina
Flávio
Galvão .... Mundinho Falcão
Jofre
Soares .... Ramiro Bastos
Maurício
do Valle .... Amâncio Leal
Nildo
Parente .... Maurício Caires
Ivan
Mesquita .... Melk Tavares
Luís
Linhares .... Jesuíno Mendonça
Emile
Edde .... poeta Argileu
Antônio
Pedro .... doutor
Nélson
Xavier .... capitão
Nuno
Leal Maia .... Rômulo
Cláudia
Jimenez .... dona Olga
Chico
Diaz .... Chico Moleza
Miriam
Pires .... mãe de Malvina
Produção
O filme, cuja história
se baseia no livro de Jorge Amado Gabriela, Cravo e Canela,
lançado em 1958, foi gravado em Paraty,
no Rio de
Janeiro e em Garopaba,
em Santa
Catarina.
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