segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Máscara em performance

Márcia Souza Oliveira
Aluna Estagiária no Mestrado em Artes
Universidade Federal de Uberlândia

 O processo de criação da máscara em performance: a raiz inconformada




O mastro para fincar precisou navegar na horizontalidade. Na escuta o corpo está conectado ao chão. Musculatura entregue ao chão pelo peso do corpo. O tônus da entrega. O chão é importante para o realinhamento num trabalho de circularidade inicialmente na horizontal, depois na vertical principalmente na região do sacro.

   Os pés estão fincados. Ora eles são raízes que se aprofundam, ora eles são raízes gramíneas que se movem sutilmente. A expansão da musculatura permite a expansão da respiração, a imagem é a de um tubo pelo qual o ar percorre saindo pela boca em gemidos, sonoridades e poéticas cantadas.




 A energia é forte e a respiração é densa. Choros gemidos mesclando dor e prazer. Máscara em performance que revela nas suas deformidades a crueldade e o feio.   Essa terrível realidade de cada um de nós expressada pela dança butoh, foi somada a esta criação performática que apresenta o corpo gestual das danças brasileiras, na fluidez dos braços que serpenteiam no espaço, no quadril que oscila e nos pés que deslizam. Composição disforme brincante e fluida, mas que também apresenta no tônus das mãos o peso da  mostruosidade que se contorce feito árvore do cerrado diferindo-se do que é normal. 








A pesquisa recria a memória do artista sabendo que a lembrança é um lugar no qual o toque deve ter uma dose de sensibilidade, nela o movimento é pelo sutil. O corpo conta em língua própria todos os acontecimentos de uma vida e de uma ancestralidade. O corpo é do disforme, espaço de vida nos quais os bloqueios são antigos e de dor enraizada. Desenraizados pelo sensório e revelado no corporeomental.








 A proposta onde vivenciei o corpo disforme que está na invisibilidade social foi com Renata Meira e Joice Brondani na disciplina Tópicos Especiais em Criação e Produção em Artes: Corpo e Cultura na pós-graduação em Artes, no PPGArtes/UFU. 

As danças da cultura popular brasileira foram espaços frutíferos para o artístico ao lado de  Joice Brondani na criação da máscara pelas danças do cavalo-marinho, coco, ciranda, xaxado, danças dos orixás, caboclinho, frevo, maracatu, maculelê e capoeira. Dessas danças eu trouxe para a composição da máscara em performance o gingado do quadril, o chocalho do balagadumdumdumdum . Joice também conduziu a exploração da voz com vibração no centro e no baixo ventre, a exploração do imaginário aconteceu nas cores, animais e elementos da natureza e foram facilitadores do fluxo entre o contínuo e descontínuo na proposta. 
 Renata Meira desconstruiu e reconstruiu o meu corpo em vida, ofertando ao ser que florescia através da máscara em performance pontos cantados da Casa Fanti Ashanti, poéticas de hibridismos que iam dos haicais de Matsuo Bashô e Leminski às poéticas sertanejas de Manoel de Barros e que foram assimiladas pelo angolano Ondjaki, artista cujo trabalho está inserido na pesquisa quando falo em educação. Nos meus pés encontrei pisares miudinhos de carícias gramíneas, deslizantes em fluidez, mas que também mostravam a possibilidade do enraizamento profundo, os quadris cambaleantes com quebras de joelhos desconstruíram as danças brasileiras, torções de tronco abrindo o peito alargaram as articulações para as respirações mais sensíveis acontecerem, indo ao chão encontrei uma circularidade de sereia.
Foi com Meira e Brondani que nasceu a performance da máscara num chapéu colorido: -pruquieutenhocavaloprandamuntado. Na voz de um sertanejo disforme um cantador da cultura popular, um Chico qualquer baiano ou cigano, velho, desdentado, preto envergado que amassa o barro na beira do rio São Francisco . Uma criança brincante em um quintal dentro os muitos quintais vividos. Criança que debaixo das mangueiras encanta aos tocadores rodando o pião. Ou ainda revelando a crueldade dos aprisionamentos e enclausuramentos do humano quando  a máscara dialoga com a dor das bárbaras cenas.


  O corpo traz o conflituoso nos braços que serpenteiam em tônus, nas mãos e pés revela-se a deformidade, no baixo ventre a liberdade no vai e vem do quadril, o rosto o chapéu de fitas coloridas projetava a relação de visibilidade/ invisibilidade social.



A pesquisa da máscara em performance conduziu outra pesquisa educacional na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE Prata), onde ao lado de crianças e adultos portadores de necessidades especiais, tenho convivido enquanto professora de Arte, desde o ano de 2008, quase seis anos de aprendizagens com o chão. Nesse meu campo de pesquisa onde me deixei ser biriba, boboca de boca aberta, e onde bangalafumenga estou em processo de constante criação, aprendi pela construção da máscara em performance a respeitar também os trajes malfincados dos brincantes com os quais estabeleço convívio. A máscara em performance está transformando-se e recriando uma estética corporeomental, olhando para o feio ela percebe  possibilidades de desconstruções para o conceito de “beleza apolínea” abrigados na estética. Também a máscara dialoga com as questões dos indivíduos que no espaço comunitário são considerados pessoas com propensão a escória e por isto mesmo estão na invisibilidade social neste mundo neuroexistencialista .
A pesquisa na APAE traz os festejos na instituição. O cacuriá de recriação do Grupo Baiadô foi reapropriado pelo grupo apaeano, e apresentado na Festa Junina em 2013 com tocadores e dançadores reinventando ritmos e movimentos para o que já era um recriação cultural do Baiadô.    



Referências

BRONDANI, J. A. MEIRA, R.B. (Org.). Subjetos e Encantados: Textos in Performances. Salvador: Ed. Fast Design, 2014.

MEIRA, Renata Bittencourt. Baila Bonito Baiadô: educação, dança e culturas populares em Uberlândia Minas Gerais. Campinas: UNICAMP, 2007. 305 f. Tese (Doutorado)- Laboratório de Estudos sobre o Ensino da Arte, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, 2007. 

_____________________. Expressões e impressões do corpo em cena. In: MERISIO Paulo (Org.). Teatro ensino, teoria e prática. Uberlândia: EDUFU, 2011. P.57-67. 

______________________ 0 ciclo das festas: uma leitura cênica da dança do Fandango e das festas populares de Cananeia, litoral sul do Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,1997. 
OLIVEIRA, Márcia Souza.Cidadão Apaeano: os desejos poéticos de constituição de uma pedagogia para pessoas com necessidades especiais por meio de um trabalho com danças populares. In V Seminário de Pesquisa em Artes do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia,11.2013, Uberlândia, PPGARTES. Disponível em <http://www.pesquisaemartes.besaba.com/D_cidad%C3%A3o_Marcia.pdf> acesso em 04 de ag. 2014 às 14:06 hs.
_____________________.(Re) criação e Desmontagem. In Revista Rascunhos. Uberlândia, v.1, n.1. P.148-160. 2013. Disponível em <http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/27152/14888> 04 Ag. 2014 às 14:18 hs  




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LABIRINTO

elenco de O labirinto, apresentaçao no encerramento do ano de 1917 no curso de teatro da UFU