Aluna Estagiária no Mestrado em Artes
Universidade Federal de Uberlândia
O processo de criação da máscara em performance: a raiz inconformada
O
mastro para fincar precisou navegar na horizontalidade. Na escuta o corpo está conectado
ao chão. Musculatura entregue ao chão pelo peso do corpo. O tônus da entrega. O
chão é importante para o realinhamento num trabalho de circularidade inicialmente
na horizontal, depois na vertical principalmente na região do sacro.
Os pés estão fincados. Ora eles são raízes que
se aprofundam, ora eles são raízes gramíneas que se movem sutilmente. A
expansão da musculatura permite a expansão da respiração, a imagem é a de um
tubo pelo qual o ar percorre saindo pela boca em gemidos, sonoridades e
poéticas cantadas.
A energia é forte e a respiração é densa. Choros
gemidos mesclando dor e prazer. Máscara em performance que revela nas suas
deformidades a crueldade e o feio. Essa terrível realidade de cada um de nós
expressada pela dança butoh, foi somada a esta criação performática que apresenta
o corpo gestual das danças brasileiras, na fluidez dos braços que serpenteiam
no espaço, no quadril que oscila e nos pés que deslizam. Composição disforme
brincante e fluida, mas que também apresenta no tônus das mãos o peso da mostruosidade que se contorce feito árvore do cerrado diferindo-se do que é normal.
A
pesquisa recria a memória do artista sabendo que a lembrança é um lugar no qual
o toque deve ter uma dose de sensibilidade, nela o movimento é pelo sutil. O
corpo conta em língua própria todos os acontecimentos de uma vida e de uma
ancestralidade. O corpo é do disforme, espaço de vida nos quais os bloqueios
são antigos e de dor enraizada. Desenraizados pelo sensório e revelado no
corporeomental.
A
proposta onde vivenciei o corpo disforme que está na invisibilidade social foi
com Renata Meira e Joice Brondani na disciplina Tópicos Especiais em Criação e
Produção em Artes: Corpo e Cultura na pós-graduação em Artes, no PPGArtes/UFU.
As
danças da cultura popular brasileira foram espaços frutíferos para o artístico
ao lado de Joice Brondani na criação da
máscara pelas danças do cavalo-marinho, coco, ciranda, xaxado, danças dos
orixás, caboclinho, frevo, maracatu, maculelê e capoeira. Dessas danças eu
trouxe para a composição da máscara em performance o gingado do quadril, o
chocalho do balagadumdumdumdum . Joice também conduziu a exploração da voz com vibração
no centro e no baixo ventre, a exploração do imaginário aconteceu nas cores,
animais e elementos da natureza e foram facilitadores do fluxo entre o contínuo
e descontínuo na proposta.
Renata Meira desconstruiu e reconstruiu o meu corpo
em vida, ofertando ao ser que florescia através da máscara em performance
pontos cantados da Casa Fanti Ashanti, poéticas de hibridismos que iam dos haicais de Matsuo Bashô e Leminski às poéticas sertanejas de Manoel de Barros e que
foram assimiladas pelo angolano Ondjaki, artista cujo trabalho está inserido na pesquisa quando falo em educação. Nos meus pés encontrei pisares
miudinhos de carícias gramíneas, deslizantes em fluidez, mas que também
mostravam a possibilidade do enraizamento profundo, os quadris cambaleantes com
quebras de joelhos desconstruíram as danças brasileiras, torções de tronco
abrindo o peito alargaram as articulações para as respirações mais sensíveis
acontecerem, indo ao chão encontrei uma circularidade de sereia.
Foi
com Meira e Brondani que nasceu a performance da máscara num chapéu colorido:
-pruquieutenhocavaloprandamuntado. Na voz de um sertanejo disforme um cantador da cultura popular, um Chico qualquer baiano ou cigano, velho, desdentado,
preto envergado que amassa o barro na beira do rio São Francisco . Uma criança brincante em um quintal dentro
os muitos quintais vividos. Criança que debaixo das mangueiras encanta aos
tocadores rodando o pião. Ou ainda revelando a crueldade dos aprisionamentos e
enclausuramentos do humano quando a máscara dialoga com a dor das
bárbaras cenas.
O corpo traz o conflituoso nos braços que
serpenteiam em tônus, nas mãos e pés revela-se a deformidade, no baixo ventre a
liberdade no vai e vem do quadril, o rosto o chapéu de fitas coloridas projetava
a relação de visibilidade/ invisibilidade social.
A
pesquisa da máscara em performance conduziu outra pesquisa educacional na
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE Prata), onde ao lado de crianças e
adultos portadores de necessidades especiais, tenho convivido enquanto
professora de Arte, desde o ano de 2008, quase seis anos de aprendizagens com o
chão. Nesse meu campo de pesquisa onde me deixei ser biriba, boboca de boca
aberta, e onde bangalafumenga estou em processo de constante criação, aprendi
pela construção da máscara em performance a respeitar também os trajes
malfincados dos brincantes com os quais estabeleço convívio. A máscara em
performance está transformando-se e recriando uma estética corporeomental, olhando para o feio ela percebe possibilidades de desconstruções para o
conceito de “beleza apolínea” abrigados na estética. Também a máscara dialoga com
as questões dos indivíduos que no espaço comunitário são considerados pessoas
com propensão a escória e por isto mesmo estão na invisibilidade social neste mundo neuroexistencialista .
A
pesquisa na APAE traz os festejos na instituição. O cacuriá de recriação do
Grupo Baiadô foi reapropriado pelo grupo apaeano, e apresentado na Festa Junina
em 2013 com tocadores e dançadores reinventando ritmos e movimentos para o que
já era um recriação cultural do Baiadô.
Referências
BRONDANI, J. A. MEIRA, R.B.
(Org.). Subjetos e Encantados:
Textos in Performances. Salvador: Ed. Fast Design, 2014.
MEIRA, Renata Bittencourt. Baila
Bonito Baiadô: educação, dança e culturas populares em Uberlândia Minas
Gerais. Campinas: UNICAMP, 2007. 305 f. Tese (Doutorado)- Laboratório de
Estudos sobre o Ensino da Arte, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, 2007.
_____________________. Expressões e
impressões do corpo em cena. In: MERISIO Paulo (Org.). Teatro ensino, teoria
e prática. Uberlândia: EDUFU, 2011. P.57-67.
______________________ 0 ciclo das festas: uma
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OLIVEIRA, Márcia
Souza.Cidadão Apaeano: os desejos poéticos de constituição de uma pedagogia
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populares. In V Seminário de Pesquisa em
Artes do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de
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acesso em 04 de ag. 2014 às 14:06 hs.
_____________________.(Re)
criação e Desmontagem. In Revista Rascunhos. Uberlândia, v.1, n.1.
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às 14:18 hs
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